terça-feira, 1 de julho de 2008

O mal-estar na Cultura[1] Atleticana

Parto do que o Jason postou "A diretoria pro divã: Por que não?". E antes que comecem as acusações, defendendo-me logo. Afinal, lanço comentários acerca de 100 anos de história, dos quais vivi apenas ¼. Sobre os outros 75 apenas sei o que foi me contado e o que li a respeito – e que confesso, nem foi tanto assim.

De qualquer forma, é notório que a administração alvinegra sofre de uma prostração incomensurável e que dura já não sei quantos anos. E não é de hoje que a imprensa traz notas sobre os desentendimentos que acontecem na cúpula atleticana. Aliás, muito me admira que esses fatos cheguem à mídia. Ou não aprenderam ainda que roupa suja se lava em casa?

O fato é que existe um mal-estar. Sabemos, como diria Freud, que a maior fonte de sofrimento do ser humano provém das relações com os próprios seres da mesma espécie. Sabemos também que 'sofrimento' é um dos sobrenomes do Clube Atlético Mineiro.

Um dos últimos capítulos dessa vertente do sofrimento atleticano foi protagonizada pelo presidente e pelo ex-diretor de futebol no caso da contratação do atual treinador. No fim das contas, trocou-se o diretor de futebol. Embora a presidência tenha dito que isso NÃO aconteceu pelas divergências na citada negociação, temos vários motivos para não acreditar nisso. Indiferente de quem esteja com a verdade nesse caso, é fato que aí está instaurado outro mal-estar.

E de quem é a culpa? De certa forma é curioso fazer esta pergunta, tendo em vista que não acredito que a CULPA seja de um ou de outro, mas que TODOS têm RESPONSABILIDADE nisso que ocorre. Não posso deixar de lembrar, contudo, como Freud, que a culpa é um dos mecanismos que a sociedade organizou para manter uma certa ordem. Mas não a culpa que um atribui ao outro, mas a culpa que já é internalizada. A culpa que é sentida mesmo sem cometer um suposto ato de infração. Há uma Lei social estabelecida – na psicanálise, o mito edipiano é o que instaura a lei. E a lei é o que determina sanções, mas abre outras possibilidades. Trocando em miúdos: Internalizando a lei, a pessoa já se sente compelida a cumpri-la e, só de pensar em seguir o rumo contrário, aparece o sentimento de culpa.

Sendo este um dos temas do Mal-estar freudiano, nada melhor do que usar disso também para falar do nosso. Mas, em que medida essa culpa se insere na realidade alivnegra? Ora, parece-me que algo está faltando na organização ética e legal no comando da instituição Clube Atlético Mineiro. Mataram o pai da horda e esqueceu-se de colocar um símbolo no lugar[2]. (Ou, seria o Elias Kalil, ao que me consta, esse último símbolo?). Qual é a lei, o símbolo, introjetado no inconsciente do comando atleticano que o leva a responsabilizar-se eticamente pelo Galo? E ao menos sentir culpa, se for preciso? Temo que no momento não exista.

O que sobra dessa falta de referência e compromisso com a instituição Clube Atlético Mineiro é uma nação de apaixonados que convivem diariamente com outro tipo de conflito. Se a relação com o outro é a causa da maior parte do sofrimento humano, o sujeito consigo mesmo já deve se haver com outros embates. Um deles, também tratado por Freud é o do id x superego.

Na segunda tópica freudiana, o aparelho psíquico é descrito de maneira dinâmica, com instâncias que o estruturam. São o id – Instância com forte carga de pulsões, inconsciente. A Reserva de energia psíquica. O ego (eu) funciona como organizador dessas pulsões, na medida em que deve se estabelecer em um meio termo entre as exigências do id e as do superego. Este, por sua vez, se apresenta como uma instância crítica que incide com muita força sobre o ego(eu), em nome da lei social introjetada.

Pode-se dizer, pois, que id x superego, grosso modo é o conflito entre os prazeres inconscientes e o que a sociedade determina. Freud trata do tema como o conflito Princípio do Prazer x Princípio Realidade.

Pelas freqüentes manifestações da torcida atleticana, seja apoiando o galo na reta final de 2005, seja quebrando recordes de público em 2006, seja nos protestos no ano do centenário, como a lavagem da sede no dia de ontem (só pra citar algo mais recente), cada vez mais estou convencido de que a paixão atleticana está com os dois pés grudada no princípio do prazer. Sim, é algo completamente inconsciente, pulsional, irracional, visceral. Desmedido, sem sentido, sem explicação e com fervor. Esta é pra mim a paixão atleticana.

Disse em outro tópico que, diferentemente do senso comum, acredito que paixão tem limite sim. E esse limite é a realidade. O limite onde cada um deve abrir mão de uma cota de prazer desmedido, atribuir um sentido ao que está acontecendo e ceder à realidade. Os orientais sabem disso. É o famoso caminho do meio. Não custa dizer que esse conflito Prazer x Realidade também é uma fonte de mal estar na cultura atleticana. Dessa vez, explicitamente nos torcedores. Quem é o vencedor? No caso, tem sido o princípio do prazer que, inconsciente e desmedido, traz consigo o gozo. O sem sentido que freqüentemente traz consigo o sofrimento que o atleticano tanto conhece. Qual o caminho do meio? Como disse antes, cabe ao ego(eu) organizar o conflito. Essa instância é aquela com a qual o sujeito se reconhece. Assim, se é o ‘eu’ quem pode orientar-se para a realidade, pergunto mais uma vez, torcedor atleticano: Qual a parte que lhe cabe neste latifúndio?



[1] Alusão ao livro Mal-estar na Cultura – Sigmund Freud.

[2] Totem e Tabu. Sigmund Freud.

5 comentários:

Unknown disse...

Id- Galo! Galo! Galo! Sócio-torcedor, contribuição na Cemig, pacote do pay-per-view, pacote de ingressos de arquibancada no mineirão e etc.
Superego- O galo tá um lixo, num mexe com isto não.
Ego- Vou assistir o jogo pela TV no gato da Net que tem lá em casa.

Gus Martins disse...

É uma das saídas possíveis do Eu né...(embora meu id não tenha tanta energia assim envolvida... hehehe leia-se sócio torcedor, contriuições, etc..) pra não sucumbir totalmente ao id, alienado da realidade e nem ficar como um careta, que aceita tudo o que manda o superego.

Somos nós, esses neuróticos.
O preço disso? Angústia, sofrimento, e outras palavras do gênero, com as quais o Atleticano está bem acostumado...

Acho que meu ego não está suportando tanto os ganhos secundários que o gozo das exigências do id tem imposto... hehe

Unknown disse...

Depois vou pedir pra Meméia traduzir algumas coisas que você escreveu... Ou então você reescreve uma versão pra leigo... heheheheh
Brincadeira, até que entendi sim... De tanto ouvir Meméia falando difícil consigo entender um pouco vocês psicólogos.
O problema (ou a solução) é que o ego tá começando a escutar só o superego. Porque se a gente num ganha nem da Portuguesa, fica difícil até de ter ganhos secundários.
Abração

Gus Martins disse...

Pois é. Aí é que tá o ponto. É o que os "analistas" blogueiros do FEF têm discutido...

Yeah

Jason Urias disse...

Mas, por mais incrível que possa parecer, o Superego tem estado com a razão (pra não dizer "completamente com a razão").

O Ego continua a escutar também o Id, mas na hora de colocar na balança, tá sacando que o mesmo não está muito (na verdade nem um pouco) por dentro da realidade, o que é muito normal, até.
Este me parece ser um movimento muito saudável do Ego, porque ele não está com a intenção de não escutar o Id. Ele sabe das consequências daquilo que ele reclama e até se beneficia delas, também. Entretanto, apoiado nas ponderações do Superego (desconsiderando seus exageros),ele está olhando bem mais à frente na esperança de conseguir gozos muito mais satisfatórios do que os que se obtém com a realidade atual. O que indica que seu papel de "moderação" está, se não sendo bem feito, ao menos bem planejado.
Pena que esta análise não pode ser aplicada a toda a torcida atleticana.
Mas é o começo e, como disse o Gus, o FEF, pelo menos, tem funcionado dentro desse esquema.