quinta-feira, 24 de junho de 2010

VPVN: Vale a pena VER e LER de novo!

Quando a Seleção Canarinho era mais do que política e propaganda e, sobretudo, dava orgulho. E quando o Galo, mais ainda, também nos orgulhava... (e eu que não vi...)

Mais uma vez peço licença à edição de Alexandre Simões, cujo livro ainda está linkado aqui em nossa coluna da esquerda para que, em tempos de Copa do Mundo, retomemos as palavras do saudoso Roberto Drummond.

DRUMMOND, Roberto. Uma paixão em preto e branco. Organização Alexandre Simões. - Belo Horizotne: Editora Leitura, 2007. p.20-24.

Estado de Minas, 04 de setembro de 1969.
  
Era só um simples amistoso, mas a inesquecível vitória do atlético por 2 a 1 sobre as "Feras do Saldanha", como era chamada a Seleção na época, transformou aquela noite de 3 de setembro de 1969 numa data histórica para a gente atleticana.

  Falta pouco tempo para começar a guerra, e eu estou num front de sonho. Tudo parece meio irreal. em lugar do clarão dos obuses, vejo foguetes de lágrimas. E, ainda agora, vi um mar de ondas brancas e pretas andar lá na grama. Era uma bandeira do Atlético.
  É lindo, nunca vi igual - disse alguém -, o Atlético pode perder de 8 a 0 que já valeu a pena.
  Mas, para aumentar a atmosfera surrealista, os refletores são apagados. Aí, então, surgem os marcianos, cada um com uma luz acesa na cabeça, e escrevem diante de todos nós, com suas lâmpadas, as iniciais da CDB, da FMF do CAM e do 12 RI. Ao mesmo tempo, eles tocam uma música. E logo saem. Nisso ouço uma explosão na parte azul, à minha direita. entram Pelé, Tostão, Gerson. São as feras de Saldanha. E chega a vez de, mais do que antes, pensarmos todos que estamos sonhando. Um arrepio na pele me diz que o   Atlético vai aparecer no Túnel. Espero ver aquelas camisas brancas e pretas. Elas sempre tiveram essas cores,d esde que recortei a primeira fotografia de Kafunga, Murilo e Ramos (depois Osvaldo). mas o que vejo? Vejo um Atlético vestido de vermelho.
  É. Tudo parece estar brincando de acontecer, nesta noite de 3 de setembro de 1969, em que, pela primeira vez no nosso estádio, cem mil bocas cantaram o hino do País de cada um de nós.
  Ouço uma explosão, e outra, e outra. Os foguetes sobem, explodem em lágrimas, e tudo vai ficando muito enfumaçado. Ao que parece, a guerra vai começar. Começou, às 9h50min, debaixo de uma névoa azul de fumaça.

De Pelé para Rose
  Faz 30 minutos que dei este título. Lá na esquerda, a uns dez metros daqui, existe alguém que segue Pelé como, por certo, nenhum marcador do mundo já seguiu. É a sra. Rose Arantes do Nascimento. Poucas vezes ela viu Pelé jogar, e também poucas vezes Pelé foi rei em Minas. E, assim, aqui estou, esperando que Pelé faça alguma coisa genial, quem sabe um gol..
  Mas até agora Pelé em nada acertou. Perdão, agora Pelé acertou e quase Tostão marca, se Mussula não fosse Mussula. O Atlético joga com o coração na mão, e essa, todos vemos, não é uma partida  comum. Parece uma decisão, digamos, Brasil x Paraguai, por exemplo. E, a meu lado, um atleticano, creio que o meu amigo Wilson Angelo, sim, é ele, diz: "A chave  do Atlético nas eliminatórias é muito difícil. Veja só: Rússia, Hungria, Iugoslávia e Brasil".
  A torcida do Atlético sopra seu time. Entre os bons, até este momento, eu destacaria Humberto, o grande Humberto. Foi João Saldanha quem o descobriu, para a crônica esportiva, lá no Espírito Santo. Tem, por isso, certa ternura por Humberto e, por certo, deve estar pensando no seu túnel: "Este Humberto precisa ser fera em 70". Djalma dias é dos bons também. E o que Maurício Azedo, jornalista carioca que mora em São Paulo, fala é a verdade: "A seleção aceita o ritmo do Atlético; em vez de cadenciar, a seleção joga errado".
Fui batendo e parando, batendo e parando. meu relógio anuncia que temos 40 minutos de jogo. Atrás de mim, uma moça está dizendo: "É uma pena, mas nunca vi o Pelé jogar bem..."
  Calma, moça, tenho a vontade de dizer. Quem te fala é um atleticano, e, ainda assim, também quero que Pelé acerte. Até porque escrevi aquele "De Pelé para Rose", preciso que Pelé faça alguma coisa.
  Mas, olha a bola com o Amauri, ele a recebeu de Humberto e anda um pouco, e chuta: é gol do Atlético. E, assim, ond eeu escrevi "De Pelé para Rose", pediria que todos lessem: "De Amauri para Márcia".

A vez de Rose
  E aconteceu que, nesta hora, aos 4 minutos e 30 segundos da "fase derradeira", como está dizendo um locutor num transistor aqui ao lado, Pele sobe leve de cabeça. A bola está nas redes de Mussula. A sra. Rose Arantes Nascimento sorri: ela sabe que o gol é dela.

Olê, olá, olê.
  Já me perdi nestas linhas.
  O tempo foi passando e ouço, sim, eu ouço um coro de  não sei quantas mil vozes cantando, (enquanto as bandeiras cantam).
  "Olê, olá,
  O nosso Galo
  Tá botando pra quebrar".

  Tudo vira sonho outra vez. Lá está o marcador dizendo: Atlético 2, Seleção Brasileira 1, e todo mundo canta, e grita, e aplaude. Tento tecer as coisas, para vver mesmo o que houve. Mas gritos pedem olé, e eles, esses gritos, entram em mim, e vou buscando rever o que houve.
   Sei que Rivelino entrou em lugar de Gerson, sei que Rivelino nada mudou, e sei, mais do que tudo, eu sei - que o coração está vencendo. Neste tumulto todo, seria capaz de dizer que Humberto continua muito bom, assim como o crioulinho Laci. Lembro também que durane três ou quatro minutos, a seleção de João Saldanha, bom amigo, ficou encostada pela pressão do Atlético. Mas não é nada disso que eu queria lembrar. O que eu queria lembrar é o motivo que faz a gente feliz, o que explode em música e gritos, assim eu os escuto, de Galôôô, Galôôô, e também preciso na confusão em que estou, tentar saber porque a charanga do Atlético, mais do que nunca, não toca tão feliz. E, como num tape mental, vejo outra vez: Dario faz um gol lindo, pôs força, e raiva, e música, no seu chute, e fez o gol.
  Mas ainda penso que o gol não houve, a qualquer momento alguém nos acordará e dirá: - Ora, chega, vocês já sonharam demais. Gritos, música, pedaços de versos no ar, e, no entatno, eu vôo, esqueço as bandeiras e vôo até onde está uma moça que ficou em casa por causa de uma gripe. Ela queria vir, para ver Pelé e Tostão, mas o termômetro marcou 39 graus, e teve que ficar em casa. Alguma coisa me diz: Contenha-se, você é um cronista, deve ser frio como um robô, e muitas pessoas vão dizer qeu você não analisou o jogo, que você se perdeu, falou até numa moça, sua mulher, que não estava em jogo, isso é um absurdo.
  Ah, robôs do mundo, vocês não sabem o que é ver a torcida do Atlético feliz numa noite que poderia ter sido apenas uma noite de quarta-feira. Uma simples noite de quarta-feira.

Com o sonho na mão
Todos estão cantando. E, no entanto, é preciso ser frio. Vale a pena dizer:
1) O Atlético mereceu vencer, jogou como se esrivesse lá no México, decidindo a Jules Rimet.
2) A derrota foi uma boa advertênica para as feras de Saldanha.

  O Atlético, é verdade, estava motivado: a seleção, não, a seleção vinha de vitórias, estava classificada (e está, não podemos nos esquecer) para o México. Essa diferença pesa, os jogadores do Brasil já tinham alcançado o objetivo número um, a classificação.
  - O Saldanha está liquidado - ouço alguém falar.
  Discordo. E, mesmo vendo lá adiante aqueles 2 a 1 acesos para o Atlético, digo que o técnico ideal para a seleção do nosso País ainda é João Saldanha, melhor do que qualquer outro. Todo um belo trabalho realizado nas eliminatórias não pode ser destruído pela vela vitória do Atlético. E se eu me ufano, aqui, ouvindo ao longe os sons de festa, é do futebol brasileiro, futebol de Pelé, de Tostão, de Humberto, de Normandes.
  Temos uma bela seleção e, mesmo assim, num jogo, um time brasileiro chamado Atlético derrotou essa bela seleção. Ela continua a ser uma seleção, o que existe de melhor entre nós. E quando festejarmos a Jules Rimet no México, certamente que o técnico João Saldanha dirá: "É, o Atlético nos ajudou naqueles 2 a 1, nos ensinou a esperar todo tipo de surpresa e nos amadureceu".

Robero Drummond







2 comentários:

ElianA disse...

Texto lúdico como era também o futebol...

Borusso disse...

Que crônica bacana! A frase do amigo dele Wilson Angelo é fora de série, haha! Se ao pisar no Mineirão a Slç tremia...imagina se encarasse o Galo no Independência?