Este é o título da segunda parte do texto “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico”, escrito por Freud.
Ele lembra no início que o adoecimento do neurótico provém, dentre outras, mas, fundamentalmente, da frustração da satisfação pulsional. Entre a desmedida satisfação (inconsciente) e a contenção necessária imposta como ideal pela civilização, instaura-se o conflito do sujeito. Inevitavelmente há que se abrir mão do imperativo da pulsão, o que está no cerne da frustração. Já vimos um pouco disto aqui.
O que Freud propõe neste texto e que parece supreendente a primeira vista, é que não apenas a impossibilidade de satisfação conduz ao sofrimento, mas “que as pessoas ocasionalmente adoecem precisamente no momento em que um desejo profundamente enraizado e de há muito alimentado atinge a realização. Então, é como se elas não fossem capazes de tolerar sua felicidade, pois não pode haver dúvida de que existe uma ligação causal entre seu êxito e o fato de adoecerem”.
Como exemplo disto utilizaremos o que o próprio Freud traz, sobre um caso que conhecera: “Era bem nascida e bem educada; no entanto, ainda muito jovem, não pôde conter seu gosto de viver; fugiu de casa e perambulou pelo mundo em busca de aventuras, até travar conhecimento com um pintor, que não só pôde apreciar seus encantos femininos mas também captar, apesar de sua degradação, as qualidades mais requintadas que ela possuía. Levou-a para viver com ele e ela provou ser uma companheira fiel, parecendo apenas carecer de reabilitação social para alcançar uma felicidade completa. Após muitos anos de vida em comum, o pintor conseguiu fazer com que a família dele se reconciliasse com ela; estava então preparado para torná-la sua esposa legítima. Foi nesse momento que ela começou a desmoronar. Descuidou da casa da qual agora estava prestes a tornar-se dona por direito; imaginou-se perseguida pelos parentes dele, que desejavam fazê-la parte da família; proibiu ao amante, com seu ciúme insensato, todo contato social; prejudicou-o em seu trabalho artístico, e logo sucumbiu a uma doença mental incurável”.
Foi por estar tão próxima do desejo que caiu em enfermidade.
Nesta época, Freud ainda não havia teorizado sobre o que trouxemos no ‘Ensaio’ linkado acima. De qualquer maneira, adianta que a frustração está presente também nestes casos e trata-se de uma frustração interna. Sua origem remete ao sentimento de culpa, inconsciente, próprio do mecanismo de subjetivação a que se submete todo humano que escolhe estar inserido na cultura.
Em que isto se parece conosco? Ora, após anos e anos de desmandos, chegamos no final de 2008 à eleição daquele que grande parte da massa desejava como presidente. Aquele que, filho de quem é, apaixonado inveterado pelo Galo, homem de pulso firme, poderia finalmente colocar o Galo de volta nos trilhos. E foi assim que ele prometeu que seria sua chegada. Arrumar a casa do Atlético MG, fazer do futebol profissional o carro chefe da instituição.
No primeiro ano de sua gestão, as coisas não começaram muito bem, mas às portas do Brasileirão, na chegada do Juarez, alguma coisa parecia mudar. Um trabalho sério, coerente, grande período de sucesso no campeonato que ao final não acabou se sustentando.
Ainda assim, tínhamos um dos jogadores mais cobiçados do futebol brasileiro, artilheiro da temporada e que o Kalil bateu o pé para não vender. Aplausos de todos os cantos. Tínhamos ainda a experiência grande campeão Ricardinho que, mesmo quando não atuava bem, contava com forte respeito.
Mas a grande realização começaria no final do Brasileiro. Após derrotas seguidas e fora da Libertadores, cai o treinador e chega outro que foi objeto de desejo alvinegro por anos. Aquele que, finalmente, recolocaria o Galo com os títulos importantes. Apesar dos últimos trabalhos, Luxemburgo continuava sendo considerado um dos mais brilhantes treinadores do país. Mais uma decisão aplaudida.
E veio o elenco. Nomes e mais nomes. Muitos deles também aplaudidos. Apesar de algumas deficiências (como o gol e as laterais), o elenco foi tomando cara de algo bastante respeitável. Jairo Campos, Lima, Cáceres, Réver, Mendez, Daniel Alves, Diego Souza, Obina (este mais pela mística do que pela técnica).
Inegavelmente, um dos melhores elencos do país.
As contas estavam em dia, o treinador de ponta, o melhor centro de treinamento do Brasil e um elenco colocar medo em qualquer adversário. Como disseram, a “receita do bolo” estava dada.
Muitos dos desejos alvinegros estavam prestes a se realizar.
Aí veio a eliminação da Copa do Brasil contra o poderoso Santos. O que poderia ser apenas um ‘capricho’ do futebol, uma vez que o time fez uma boa exibição no Mineirão e não se entregou facilmente em SP. Mas não era apenas isto. Seis rodadas de Brasileirão e os maus resultados vieram.
Depois da copa, continuaram. O Grande elenco não tomou corpo e não virou time. A tática, o posicionamento, a estratégia, a gana, nada disto parecia fazer parte do repertório atleticano. As derrotas continuaram, em casa, fora, contra os bons, contra os ruins.
Tudo isto culminou ontem, com a 15ª derrota em 24 jogos, trazendo no rastro, dados estatísticos apavorantes, desde o time que mais sofreu gols até o que mais foi derrotado.
Não há nada de diferente do que Freud falou. Logo no momento de realizar os desejos, quando eles realmente eram possíveis, o time caiu na enfermidade do futebol.
Está mais que claro que a receita do bolo falhou e, mais que isto, não há receita.
O Atlético Mineiro sucumbiu a alguma frustração que só pode ser encontrada lá dentro, nas entranhas da instituição, do time, dos jogadores. De resto, é especulação nossa.
Mas em uma outra coisa o bom (mau) velhinho vienense é categórico. Em todo adoecimento neurótico há um ganho secundário. Falaremos disto depois.
* Cansa, mas é preciso repetir. Sempre tem uns novatos. Isto não é uma análise, uma aplicação indevida da psicanálise. Antes, uma intertextualidade. Pensamos naquilo que nos move neste blog também com a ajuda de grandes pensadores, como este nome que levamos no título. FEF.
** Pra quem já leu Macbeth (eu ainda não), de Shakespeare, vale a pena ler o texto freudiano. Ele aborda a temática a partir desta obra. Mesmo não conhecendo a obra, a construção de Freud é muito agradável!
9 comentários:
Como havia perguntado quando da chegada do Luxa, será Besta ou Bestial?
E então, desfrutamos das ruínas do cidadão.
Ensaiei escrever várias vêzes e tudo ficou pela metade, inconcluso, asssim como está a angústia Atleticana.
Se Freud explica, no futebol, não conserta. Assim, sugiro umas tantas quantas missas, banhos de descarrego e vídeos motivacionais, que é o tipo de psicologia que dá certo com jogador de futebol
"Daniel Alves" é o ato falho mais desesperado que já vi no futebol. hehehe
O velho e traiçoeiro inconsciente adianta-se ao sujeito e clama por qualidade.
Ah, acrescento a torcida como parte integrante daquele grupo onde se pode verificar a frustração à qual o Galo sucumbiu.
Duas notas a se fazer:
-Ano passado o galo estava em alta, liderando, e perdeu o posto. O flu estava afundado na zona da degola.
Esse ano o flu liderava, e não aguentou a pressão, o galo está afundado. Espero que tenhamos forças pra sair, que nem o mesmo fluminense que nos goleou.
-Eu já li Macbeth. O que vc passou do que Freud escreveu realmente pode ser visto como uma análise de Macbeth. Qual o nome do texto/livro ou sei lá o que onde Freud fala sobre isso?
Baita análise do "Ser Atleticano", assino embaixo.
Mas uma questão me persegue, por que insisto tanto em ver o Galo, em torcer... minha esposa ao me ouvir dizer que ia ver o jogo simplesmente disse o Galo não tá merecendo isso e respondi - "Sou Galo... e não desisto nunca!" - e fui prá frente da TV acreditar no milagre!
Puta merda... viajei no texto, nas ideias, mas não consegui construir um argumento que possa se encaixar aqui nesse tópico.
Instauremos um Divã na cidade do Galo e tá tudo feito.
Daniel, o texto do Freud se chama "Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico". São 3 partes. Esta que pus é a segunda... o título, o mesmo do post.
A maior parte do texto conta com a análise do Macbeth...
Ao todo devem dar umas 15 pag.
Está no volume 14 das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Ed. Imago).
Ate tenho a versão eletrônica, mas a cópia dela não vai com as notas de rodapé, que no caso de Freud, são sempre uma preciosidade.
sublime!
nem comentarei pra não estragar...
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